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A força-tarefa Lava Jato, em conjunto com procuradores de Ponta Grossa, Paranavaí e Apucarana, apontou esquema que desviou R$ 8,4 bilhões por meio de obras não realizadas e através do aumento de tarifas de pedágio do Anel de Integração do Paraná.
A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF/PR) em conjunto com procuradores da República de Ponta Grossa, Paranavaí e Apucarana (PR) apresentaram hoje, 28, duas denúncias contra a organização criminosa responsável por desviar o valor estimado de R$ 8,4 bilhões, por meio de supressões de obras rodoviárias e aumento de tarifas em concessões do Anel de Integração.
As propinas pagas em troca dos benefícios concedidos às concessionárias foram de pelo menos R$ 35 milhões, em valores históricos. A denúncia é fruto de um trabalho conjunto do Ministério Público Federal com a Receita e Polícia Rodoviária Federal.
Na denúncia contra os agentes públicos, foram acusados o ex-governador Beto Richa (PSDB) e o seu irmão e ex-secretário de Infraestrutura e Logística do Estado, José Richa Filho – “Pepe Richa”, além de mais oito pessoas, pelos crimes de pertencimento à organização criminosa e corrupção passiva. Segundo a força-tarefa, os dois irmãos comandaram o esquema de propinas das rodovias federais no Paraná.
Já na acusação relacionada aos empresários, foram denunciados ex-presidentes das concessionárias Econorte, Viapar, Ecocataratas, Caminhos do Paraná e Ecovia pelos crimes de corrupção ativa, pertencimento à organização criminosa e lavagem de dinheiro. O empresário João Chiminazzo Neto foi denunciado como principal operador financeiro do esquema criminoso.
Os crimes são relacionados às investigações da operação Integração, que apontaram a existência, ao longo de quase duas décadas, de uma prática consolidada de pagamento de propina pelas concessionárias que operam o Anel de Integração do Paraná. Os subornos eram pagos para obtenção de favorecimentos contratuais que excluíam obras e aumentavam tarifas.
SUPERFATURAMENTO NA LICITAÇÃO – De acordo com a denúncia, as irregularidades começaram na apresentação da proposta comercial das concessionárias, em 1997. O custo de serviços e obras estava propositadamente superfaturado, conforme reconheceu o colaborador Nelson Leal Júnior e demonstrou laudo pericial de caráter oficial.
O superfaturamento inicial permitiu o estabelecimento de uma tarifa básica mais alta e elevou arbitrariamente os lucros das empresas. Além disso, a adoção, pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR), do critério de medição por insumos sem respaldo contratual permitiu que as concessionárias se desonerassem da conclusão de obras sem terminá-las, sob a alegação de que a meta financeira já teria sido cumprida, isto é, que o valor estimado pela própria concessionária para a obra já havia sido gasto.
A adoção do critério de meta financeira significava que, caso uma das concessionárias, obrigada a duplicar 100 quilômetros ao custo de R$ 300 milhões, apontasse que, com os R$ 300 milhões previstos, somente foi possível duplicar 50 quilômetros, ela simplesmente solicitava ao DER/PR que suprimisse a obrigação de duplicar os 50 quilômetros restantes, por considerar que a meta financeira já havia sido atingida.
Embora a estimativa original de custo tivesse sido feita pela própria empresa, se o valor fosse maior do que o previsto, ela não deveria arcar com a responsabilidade por concluir a obra, transferindo todo o risco para a sociedade. Os agentes corrompidos do DER/PR, em seguida, deferiam o pedido da concessionária e as obras originalmente contratadas eram suprimidas por intermédio de aditivos ou decisões administrativas.
OBRAS SUPRIMIDAS – A metodologia de superfaturamento acarretou graves prejuízos ao interesse dos usuários das rodovias entregues às concessionárias. A investigação comprovou que, no início da concessão, as empresas comprometeram-se a duplicar 995,7 quilômetros em rodovias no Estado. As obras deveriam estar integralmente concluídas até 2016, mas, em virtude das mudanças contratuais feitas mediante pagamento de propinas, elas foram suprimidas e postergadas. Em 2019, da extensão inicial pactuada, apenas 273,5 quilômetros foram duplicados.
Em relação às interseções, foi acordada a construção de 136 unidades com conclusão até 2017, porém, houve a elaboração de apenas 29. Deveria ocorrer também a construção de 303,2 quilômetros de terceiras faixas até 2017, entretanto houve a finalização de apenas 59,3 quilômetros.
Havia ainda a previsão de construção de 174,5 quilômetros de contornos, com previsão de término até 2016, contudo, apenas 43,2 quilômetros foram realizados. Por fim, foi estabelecido a previsão inicial de 15,2 quilômetros em marginais até 2016, dos quais nenhum quilômetro foi entregue.
“É virtualmente o maior desvio de dinheiro já comprovado na história do Paraná. Mais de 8 bilhões de reais poderiam ter revolucionado a infraestrutura do Estado, afrouxando gargalos no trânsito de pessoas e no escoamento da produção de um dos celeiros do Brasil. Isso contribuiria para o desenvolvimento econômico e social paranaense. O prejuízo nas estradas se desdobra em um prejuízo a todo o setor industrial e produtivo, sem falar nas mortes”, apontou o procurador da República, Diogo Castor.
MORTES NAS ESTRADAS – De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, nos últimos cinco anos houve um total de 1.714 mortes em rodovias federais do Anel de Integração, das quais 403 ocorreram em colisões frontais em trechos de pista simples.
“As propinas nos pedágios deixaram um rastro de sangue e morte nas estradas. Há uma drástica redução no número de colisões frontais quando uma estrada é duplicada. Se tivéssemos todas as rodovias federais duplicadas no Paraná, poderíamos ter salvo 360 vidas nos últimos cinco anos, assumindo uma razoável redução de 90% no número das colisões frontais no caso de duplicação. A denúncia aponta que 722 quilômetros de estradas deixaram de ser duplicados de modo indevido, o que certamente contribuiu para muitos acidentes e mortes”, afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa Lava Jato no MPF/PR.
O ESQUEMA DE PROPINAS VIA ABCR – De acordo com a acusação, em 1999 as seis concessionárias que administram o Anel de Integração do Paraná começaram a se reunir periodicamente na sede da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) para acordar o pagamento de propinas a agentes públicos do Estado em troca da celebração de aditivos contratuais favoráveis às empresas. Após maio de 2000 até final de 2015, estes pagamentos passaram a contar com a intermediação do diretor-presidente da ABCR, João Chiminazzo Neto.
De acordo com as evidências coletadas, quando se iniciou o esquema, o valor total da arrecadação mensal de propina era de aproximadamente R$ 120 mil, sendo que este montante era rateado entre as seis concessionárias do Anel de Integração proporcionalmente ao faturamento de cada uma delas e distribuído para funcionários do DER/PR.
O montante da propina foi atualizado conforme os reajustes tarifários, chegando a aproximadamente R$ 240 mil mensais em 2010, que foram pagos aos agentes públicos pelo diretor-presidente da ABCR até o final de 2015. Paralelamente, e após o esquema operado por Neto, as concessionárias também mantiveram pagamentos independentes feitos diretamente a alguns colaboradores, pelo menos até janeiro de 2018.
O esquema continuou após o início do mandato de Beto Richa, em 2011. A partir de então, os beneficiários finais da propina eram agentes políticos do Palácio Iguaçu e agentes públicos do DER/PR e da Agência Reguladora do Paraná (Agepar), esta última responsável por fiscalizar as concessões rodoviárias no Estado. As provas evidenciaram o pagamento de propinas inclusive ao ex-governador, “Pepe Richa”, e ao ex-diretor geral do DER/PR, Nelson Leal Junior, que firmou colaboração premiada com o MPF.
As propinas eram pagas sempre por meio de dinheiro em espécie. Para produção do montante, as concessionárias simulavam ou superfaturavam a prestação de serviços com empresas envolvidas no esquema, que sacavam valores e devolviam aos gestores das concessionárias.
As entregas pelas concessionárias eram feitas a Neto na sede da ABCR Curitiba. Somente no esquema operado por ele, estima-se o pagamento de propina de aproximadamente R$ 35 milhões, sem atualização monetária.
Neto repassava a propina ao operador Aldair Petry, que por sua vez fazia a distribuição aos agentes públicos do DER/PR, da Secretaria de Infraestrutura e Logística e a Luiz Abi Antoun, que gerenciava as propinas de Beto Richa. O diretor-presidente da ABCR entregava ainda propinas a Mauricio Ferrante, Jose Stratmann e Antonio Queiroz, então funcionários da Agepar, que comandavam a corrupção na agência reguladora.
CAPTURA DA AGEPAR – O MPF ofereceu acusação contra os diretores da Agepar Maurício Ferrante e Jose Stratmann, além do advogado Antonio Queiroz, pelos crimes de corrupção e pertencimento à organização criminosa. De acordo com a investigação, a Agepar aprovava os aditivos que eram comprados do DER/PR e da Casa Civil sem criar empecilhos técnicos.
Além disso, em virtude da propina, havia uma manifesta omissão da agência reguladora, que não autuou as concessionárias por nenhuma irregularidade enquanto o esquema de propinas estava vigente.
ILEGALIDADES NOS ADITIVOS – Como contrapartida pelo pagamento das propinas, as provas mostraram que os agentes públicos corrompidos praticaram vários atos indevidos para atender ao interesse das concessionárias. Entre outras coisas, os atos consistiram em:
1) Viabilizar a suspensão de 140 ações judiciais ajuizadas antes de 2011 pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE/PR) em face das concessionárias do pedágio;
2) Viabilizar a realização e homologação de termos de ajuste, atos administrativos e termos aditivos contratuais que modificaram os contratos de concessão originários em condições favoráveis às concessionárias;
3) Determinar deliberadas omissões na função fiscalizatória, razão pela qual os órgãos responsáveis deixaram de autuar as concessionárias por irregularidades na manutenção de estradas, como atesta relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR).
Por exemplo, em relação aos aditivos, as provas mostraram que, em 2000 e 2002, o Paraná firmou aditivos contratuais com todas as seis concessionárias em razão dos pagamentos de propina. Esses aditivos indevidos foram altamente benéficos às concessionárias, tendo sido objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram as tarifas em detrimento dos usuários. Outras modificações contratuais favoráveis às concessionárias foram feitas entre 2003 e 2010. Em 2011, Beto Richa mandou suspender todas as ações judiciais que haviam sido propostas pela PGE/PR para discussão do tema.
Em 2012, análise de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou diversas irregularidades nesses ajustes e determinou que o Paraná procedesse ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos em favor dos usuários, mas não foi o que aconteceu. Em virtude dos pagamentos de propinas durante o governo de Richa, os contratos de concessão foram novamente modificados por intermédio de aditivos contratuais e atos administrativos informais que suprimiram obras e elevaram arbitrariamente as tarifas em favor de todas as concessionárias.
PROVAS OBTIDAS – Para fundamentar a denúncia, foram usadas evidências de quebra de sigilo de dados bancários, fiscais, telemáticos e telefônicos, que comprovaram as afirmações de colaboradores. Além disso, diligências realizadas comprovaram a utilização de dinheiro em espécie por parte dos beneficiários finais do esquema. De acordo com os investigadores, o ex-secretário Pepe Richa, por exemplo, usou R$ 500 mil da propina para a aquisição de um terreno em Balneário Camboriú (SC), cuja escritura foi subfaturada e a diferença, paga em espécie ‘por fora’, como reconhecido pelo próprio vendedor na qualidade de testemunha.
O mesmo aconteceu com Beto Richa. Segundo a acusação, aproximadamente R$ 2,5 milhões de propinas recebidas em espécie pelo ex-governador em esquemas ilícitos no seu governo foram usados na aquisição de imóveis por uma empresa em nome de sua esposa e filhos. Os vendedores e um corretor, igualmente na condição de testemunhas, reconheceram o pagamento de valores vultosos “por fora” e em espécie.
IRREGULARIDADES – As irregularidades na administração das concessões começaram a ser apontadas por um grupo de trabalho do MPF em 2013. Na época, foram identificados 13 atos secretos que beneficiaram as concessionárias, além de diversas doações eleitorais suspeitas. A equipe da Lava Jato, em conjunto com os procuradores do interior do Paraná – Raphael Otávio Bueno Santos, Lyana Kalluf e Henrique Gentil – comprovaram que tais atos eram editados como contraprestação de propinas pagas sistematicamente pelas concessionárias. (Com assessoria)