Mais de cinquenta famílias descendentes de quilombolas não têm atendimento médico, transporte público e a assistência social chega com raridade. Fotos: André Jonsson – Blog do Johnny.
Mais de cinquenta famílias descendentes de quilombolas da Colônia Sutil, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, vivem esquecidos pelo Poder Público. Há cerca de 25 quilômetros do centro da cidade, os moradores não têm atendimento médico, transporte público e a assistência social chega com raridade. “A Prefeitura esquece de nós aqui. Estamos abandonados”, lamenta o morador Lauro Roube.
Devido a pandemia do coronavírus, a linha de ônibus intermunicipal que passa na Rodovia PR-151, cuja passagem custa R$ 11,17, a cerca de um quilômetro da entrada da comunidade, foi suspensa. “O ônibus que passava na rodovia não está passando por causa do corona. Em governos anteriores tinha a VCG que vinha até aqui. Estamos solicitando para que viesse de volta”, reivindica o morador Ismael Roube. “Estamos isolados”, relata a moradora Vani Andrade da Cruz.
Em janeiro deste ano a Prefeitura inaugurou a Unidade de Saúde Wilson de Jesus Batista Filho, em um espaço que já existia e foi reformado, mas o atendimento médico durou poucas semanas. “Está fechado. Depois que foi inaugurado, se o médico apareceu aqui umas duas vezes foi muito”, conta Vani, revelando que muitas vezes os moradores buscam atendimento no Município vizinho de Palmeira. “Falam que é um posto, mas até agora não funcionou. O médico do Guaragi vinha aqui e ficava de duas a três horas e ia embora”, relata Lauro.
A assistência social chega raramente à comunidade. No dia que a reportagem do Blog do Johnny visitou a comunidade, uma equipe da Fundação Municipal de Assistência Social de Ponta Grossa (FASPG) esteve na Colônia distribuindo cestas básicas às famílias. “Esses dias teve o cartão Comida Boa do governo, o pessoal daqui teve que ir lá para o Guaragi. Era mais fácil virem aqui com um ou dois carros, do que dez carros da comunidade irem para lá”, expõe Ismail, relatando que a comunidade é solidária e se organiza para o transporte com veículos próprios.
Lauro Roube está buscando ajuda para documentar em um livro através de depoimentos dos moradores mais velhos a história da Colônia Sutil. “Queremos trazer uma ideia do que eram os quilombolas para manter viva a história para as futuras gerações”, conta.
Ele relata que quando a Unidade de Saúde foi inaugurada, ao lado do tradicional campo de futebol da comunidade, foi prometido pelas lideranças políticas presentes, entre elas o prefeito Marcelo Rangel (PSDB), a instalação de alambrado no campo, mas que foi esquecido. O pedido também já foi formalizado pelos moradores na Prefeitura. “Temos uma história com o futebol neste campo do meu pai e avós. O que custa fazer o alambrado? O pessoal chuta uma bola aí, quebra o vidro, danifica, como é que fica?”.
Lauro, que é um dos líderes da comunidade, também cobra que a Prefeitura realize a manutenção dos cerca de dois quilômetros de estradas da Colônia, que são usados pelos moradores e para o transporte escolar dos alunos, que estudam no Cará-Cará. “As estradas estão em péssimas condições. Faz tempo que não é arrumado”, relata o morador. “Temos muitas reivindicações, mas não estamos sendo atendidos”, finaliza.
A comunidade também se organiza para buscar junto aos órgãos competentes a regularização e demarcação das terras da Colônia.
A reportagem do Blog do Johnny visitou a Colônia Sutil a convite do ex-vereador Professor Careca, que ajuda a comunidade com doações e aulas de futebol para as crianças.
HISTÓRIA – O Sutil, que antigamente partilhava território com a comunidade quilombola Santa Cruz, é um dos 37 quilombos registrados no Estado do Paraná. Suas terras foram doadas por fazendeiros alemães, partilhadas entre os descendentes de quilombolas, que se tornaram donos do território em 1.854, quando Maria Clara do Nascimento, fazendeira e dona da propriedade, faleceu e deixou metade das terras como herança para os ex-escravos.
As terras foram povoadas pelos quilombolas e seus descendentes, porém, com o passar do tempo, a comunidade tornou-se cada vez mais uma mistura de raças. (Com informações do Periódico UEPG)
Ministério Público ajuíza ação contra o Município por falta de repasses às comunidades quilombolas
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) ajuizou uma ação contra o Município de Ponta Grossa, para apurar a situação dos valores repassados pelo Governo do Estado à política de incentivo estadual para comunidades quilombolas. Segundo o MP, houve a confirmação de que o Município vem recebendo, mensalmente, desde o ano de 2014, o valor de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), depositado diretamente na conta do Fundo Municipal de Saúde, valor que deveria ser utilizado para o fortalecimento das ações de saúde na Comunidade Quilombola Sutil e Santa Cruz, porém, não estaria ocorrendo.
O Conselho Municipal de Saúde (CMS) informou desconhecer tal repasse. A Fundação Municipal de Saúde (FMS) confirmou o recebimento dos valores e informou que os recursos estariam sendo utilizados para a reforma e instalação de unidade de saúde que atenderia a população remanescente de quilombo em junho de 2017.
O Ministério Público passou a acompanhar a situação da reforma e instalação da unidade de saúde, tendo sido demonstrado, em verdade, que a população da Comunidade Sutil e Santa Cruz é atendida pela equipe da unidade de saúde do Distrito de Guaragi.
Segundo o MP, a “grave omissão” foi a motivação da ação movida contra o Município afim de que o prefeito municipal Marcelo Rangel esclareça o repasse da verba e da atual situação das comunidades quilombolas presentes em Ponta Grossa. Os autos sob o n.º 0008605-56.2020.8.16.0019 tramitam na 2ª Vara da Fazenda Pública de Ponta Grossa. (Com assessoria)